sexta-feira, 5 de junho de 2009

A imprensa imprensada


Nos anos da mais fresquinha ditadura que ainda reacende no ar, trabalhando em "O Diário", o maior jornal da Rua Sete de Setembro, em Vitória, vivemos algumas situações cômicas se não fossem trágicas. Mesmo que toda tragédia seja cômica, vide Shakespeare

A censura prévia nas redações, que consistia em um idiota examinando, com sua cultura amebiana, o material a ser censurado, dividia dentro de seu pequenino cérebro o engenho e a arte em duas grandes convicções: comunista e não comunista.

Depois baixou como o Zepilin, do Chico Buarque, a autocensura, que é pior, porque transforma seu sobrecarregado superego em um censor vil, pior que o, por assim dizer, oficialmente, imposto. Cabia ao jornalista burlar a lei, uma forma difícil de resistência que exigia coragem, tolerância ao terrorismo de Estado e, last but not least, humor.

Quando havia alguma maldade especial que esses canalhas faziam – e não eram poucas – os policiais vinham à redação oficializar em um documento sem assinatura a proibição. Denunciei naquele inquérito sobre perseguidos políticos na Assembléia, mas não saiu no livro sobre o tema, lançado por Cláudio Vereza. Só no disquete à parte, porque ninguém é de ferro. Eu, hein

Assassinatos por tortura, por tiro, por inanição, eram relatados nas notas à imprensa e com o sórdido preâmbulo: “De ordem superior, fica proibido a divulgação de Fulano em choque com a polícia”. Sem assinatura, claro.

Canalhas não se assumem, muito menos assinam. Assassina. Por exemplo: onde se lia “Em choque com a polícia...” leia-se pessoas – inclusive mulheres grávidas amarradas e não raro de cabeça para baixo - mortas sobre torturas, em paus-de-arara. Uma forma insólita e delicada de defender a democracia contra o comunismo.

Já escrevi alguma vez, mas não custa repetir, que pregávamos a proibição dos papelotes no quadro de avisos da única sala de redação de "O Diário" jornal onde por consequência acabou por transformar-se em mural com notícias que jamais saberíamos, como não sabemos até hoje. Onde estão os cadáveres dos militantes contra a ditadura? Pois bem.

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