quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Normopatia para principiantes



Em algum momento de minha caminhada longa para nenhum lugar na carreira de professor de medicina na área da psicossomática onde depois de muito tempo consegui chegar, digamos, acho que fui eu quem cunhou o termo “normopatia”, ou seja, a incapacidade de evitar a repetição, o individualismo e a repetição perfazendo certa contramão na estética em vigor.

Isso aconteceu porque tratava de discutir com os alunos o custo da civilização, isto é, a transformação de parte do instinto comum a todos os animais na civilizada e necessária pulsão, mas para isso abrir mão de algum gozo que pertence à natureza de cada um. Um certo mal estar há de se estabelecer com a privação requerida ao nosso âmago para sermos organizados em uma , por assim dizer “espécie” inteligente, que apesar de mais frágil do que todas as outras na natureza, domina e sobrevive. É assim que se forma uma seita normativa, uma lei. A lei da proibição do incesto proclamada por Freud é uma norma. Não é normopatia porque é insubstituivelmente necessária.. Não sei e não quero discutir aqui a mágica dos milagres divinais e coisas assim. Desde já concordo com todos os que discordarem de mim, nesse campo muitas vezes psicopata e destituído de qualquer caráter. Pastores tirando sangue e lã das ovelhas prometendo transformá-las em águias. É o fim.

Andei pensando e escrevendo sobre isso por muito tempo. Tempo demais.

Foi assim que a definição de Normopatia foi se inscrevendo insidiosamente em meus conceitos, crenças e fé para tentar atingir a possibilidade de escutar e ver, com escuta ativa e olhar encantado do tipo materno o outro, diferente de mim. O outro determina nossa existência é ou não é. Mas não é fácil vê-lo, de longe sequer.

Desde a fala, que para mim constitui o encontro entre o que até hoje consideramos físico ou psíquico, como se essa diferença fosse possível. Não quero cansá-los aqui assim como canso meus indefesos alunos que às vezes vêm na filosofia da ciência uma instigante chatice a mais. Com o que concordo, em pequeníssima parte.

Pois então.

Esta concepção leva-me de volta aos sistema profissionais de comunicação em massa de onde nunca saí.

Deparo-me perplexo com a normopatia impregnada no imaginário social onde claro, as diferenças e discordâncias são toleradas desde que fiquem quietas em seu canto e especialmente, não façam marola.

Estranho e de certa forma paranóide que seja, amedronto-me com fatos de conhecimento público. A bizarra capacidade de deslocar para lugar mais aprazível as verdadeiras questões violentas da atual civilização, por exemplo: qual é a verdadeira questão: se Saddam Hussein, Manoel, Pedro seja lá quem for desenvolvem artefatos nucleares ou por que alguns países podem e outros não fazer isso, supondo que o façam? Jamais em tempo algum assisti qualquer discussão sobre esse tema. O imaginário normopático encarrega-se de tirar a discussão do alcance da humanidade.

Os Estados Unidos mantém um campo de concentração em Guantánamo nos moldes dos nazistas e daí? Aqui e ali os representantes na ONU fazem referencias ao fato e depois retornam à normopatia. Ou negam as autorizações para os ataques holocáusticos mas ninguém obedece. O mínimo de seriedade exigiria a retirada do Conselho de campo. É ou não é?

O tristemente célebre Conselho de Segurança da ONU é solenemente ignorado em suas decisões se estas foram contra os países que usam e abusam da força como Israel, sempre apoiado por um grande número de países que têm o tipo de força, extremamente bruta e irracional, os aliados – eu diria semelhantes ou cúmplices – que literalmente fazem o que querem. A modesta questão da normopatia sequer aborda ação, apenas discussão. E esta não há, não há mesmo.

Ia esquecendo.

A Ku-Klux-Khan, uma organização terrorista tradicional na América do Norte é tolerada e praticamente oficializada em qualquer burgo de lá. Os componentes dessa modalidade de corja todo mundo sabe quem são. Desde o prefeito, ao cura local, delegado, demais autoridades e respeitável público assistente e conivente com este circo dos horrores.

Dedicam-se ao refinado esporte que consiste em assassinar pessoas diferentes deles, ou seja, seres humanos. Algum país com esta mancha pode acusar alguém de terrorista?Não será por antiterrorismo a ação bélica destes governos.. Petróleo talvez?Ou uma volta ao instinto?

A loucura da normopatia nos faz a todos esquecer que quem praticou, por exemplo, aquele ataque covarde e hediondo às Torres Gêmeas de New York, foi Bin Laden e seus fanáticos psicóticos? Esquecemos dele, afinal somos normopatas. Vamos destruir literalmente o Iraque, por exemplo, que é mais fácil. A normopatia impregnada impede o povo de pensar.

Não poderia citar os inúmeros exemplos em que levamos a discussão para onde os mestres-escrivães dos dogmas e idiotices mandarem.

Só não se pode desobedecer. Ao que quer que seja impregnado de poder.


Paulo Bonates

O autor é Diretor Cultural da Associação Médica do ES, e professor de Medicina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário