sexta-feira, 6 de novembro de 2009

EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS - Qualidade de vida qualidade de morte


DEFINIÇÃO

São quaisquer alterações nos pensamentos, sentimentos ou comportamentos para as quais se faz necessário intervenção imediata por representar risco significativo para pacientes ou para terceiros.

As pacientes que se apresentam em crise, são pessoas com intenso sofrimento emocional e físico, por isso, frágeis, com várias expectativas e fantasias, freqüentemente irreais, que influenciam suas respostas ao tratamento. Portanto, deve prevalecer uma atmosfera de segurança e proteção, com comunicação clara e franca, quando atos violentos não podem ser permitidos ou tolerados.

A oportunidade proporcionada pela crise pode facilitar o crescimento e a percepção do paciente o que não seria possível se a crise não tivesse ocorrido.

Frente a um paciente em crise, é prioritário determinar quanto risco ele apresenta para si mesmo e para terceiros, fazer um diagnóstico inicial, identificar os fatores desencadeantes, necessidades imediatas e iniciar ou encaminhar o tratamento adequado.

A segurança física e emocional do paciente é uma questão prioritária. Espaço físico, população de pacientes, comunicação entre o pessoal, reações de contra-transferência, devem ser considerados pelo examinador para que se conduza a avaliação até o final.

Diferenciar condições orgânicas de funcionais é a questão mais importante a ser examinada, uma vez que algumas condições orgânicas podem ser ameaçadoras à vida e imitar transtornos psiquiátricos. Esta é potencialmente, a que apresenta maior chance de erro por parte do examinador. Não esquecer que pacientes psiquiátricos principalmente nos casos de falta de moradia, alcoolismo crônico, estão em grande risco para tuberculose e deficiências vitamínicas.

Determinar se o paciente está ou não psicótico é importante não tanto para o diagnóstico, mas para determinar a gravidade dos sintomas e o grau de perturbação em sua vida e a chance de se conduzir à avaliação até o final.

Todas as situações como: ameaças, gestos, pensamentos, tendências suicidas ou homicidas devem ser consideradas seriamente até prova em contrário, e devem ser observadas atentamente. Atos violentos dentro do hospital geralmente são resultados de percepções errôneas por parte do paciente, ou reações a membros da equipe que são intrusivos, insensíveis ou indiferentes.

AVALIAÇÃO E CONDUTA FRENTE
A UM PACIENTE EM CRISE

ENTREVISTA


A entrevista de um paciente em crise é similar a entrevista convencional, exceto pelo potencial senso de urgências na avaliação do risco para o paciente e para outros. Deve-se focalizar a queixa apresentada e as razões pelas quais a consulta ou a agitação ocorre neste momento. Se outras pessoas estiverem presentes uma história suplementar deve ser obtida.

O relacionamento entrevistador/entrevistado (empatia) influencia fortemente no que o paciente diz ou não diz. Tanto quanto possível, é importante ser franco, honesto, apoiador, compreensivo, não expressar irritação, hostilidade ou ameaças. Não se deve enfrentar o paciente diretamente nem tomar atitudes punitivas. Através de uma atitude calma, firme e segura, deve-se estabelecer limites claros e transmitir ao paciente a idéia de que se está no controle e agirá pronta e decisivamente, caso ele se descontrole, para proteger e evitar ferimentos a si mesmo e a terceiros. A auto-estima do paciente é um ponto importante, deve-se evitar atitudes paternalistas ou críticas, deve-se tentar fazer esforço verdadeiro para comunicar uma atitude de respeito e autêntico envolvimento na solução do problema. Quando o técnico não sabe o que dizer, o melhor enfoque é ouvir.

As condições (diagnósticos) psiquiátricas mais freqüentemente associadas à violência incluem distúrbios psicóticos como esquizofrenia e mania, principalmente se o paciente está paranóide ou tendo alucinações de comando, intoxicação ou abstinência de álcool e drogas, excitação catatônica, depressão agitada, distúrbios de personalidade caracterizado por fúria e fraco controle dos impulsos, distúrbios orgânicos, especialmente se há envolvimento dos lobos frontal e temporal.

FATORES DE RISCO


Os fatores que aumentam a probabilidade de um ataque de violência incluem: agitação, intenção declarada, ter um plano específico, a disponibilidade de meios para violência, sexo masculino, pouca idade (entre 15 e 24 anos), baixa situação sócio-econômico, fraco sistema de apoio social, história de tentativas de suicídio e estressores recentes. Uma história de comportamento violento é o melhor previsor de violência.

Algumas ameaças de violência podem ser manipuladoras e sem verdadeira intenção, mas como esta avaliação é difícil, pelo menos inicialmente, todas as ameaças são potencialmente verdadeiras. É preferível errar sempre pelo excesso de cuidados, pois alguns pacientes ameaçadores e manipuladores, ao perceberem que não estão sendo levados a sério, podem cometer atos violentos para provar que deviam ter sido levados a sério.

Durante a avaliação, deve se ficar atento para qualquer sinal de violência iminente. Alterações abruptas no comportamento, fala ou afetos podem sinalizar uma perda de controle. Outros sinais incluem atos de violência recente, dentes e punhos cerrados, ameaças verbais, portar armas ou objetivos potencialmente utilizáveis como armas (talheres, cinzeiros) agitação psicomotora (que é considerada um importante indicador pois quase sempre precede atos violentos), intoxicação, delírios paranóides e alucinações de comando.

MANEJO


A primeira e mais importante medida a ser tomada frente a um paciente em emergência é PROTEGER-SE. Tenha em mente que a violência é sempre uma possibilidade e não se deixe surpreender por um ato súbito, nem se coloque em uma situação na qual possa ser agredido, por exemplo: entrevistar um paciente potencialmente violento a sós em um consultório pequeno com a porta fechada. Fique dentro do campo de visão de outros membros da equipe. Pode ser necessário tirar colares e brincos, nos quais o paciente poderia agarrar-se ou puxar, e jamais entreviste um paciente que tenha qualquer tipo de arma.

Nunca chegue muito próximo a um paciente paranóide, pois ele pode sentir-se ameaçado. Mantenha-se a pelo menos um braço de distância de qualquer paciente potencialmente violento. Não desafie ou enfrente um paciente psicótico. Esteja alerta para os sinais de violência iminente. Sempre deixe uma via de escape aberta para o caso de ser atacado, e nunca, jamais lhe vire as costas.

A avaliação diagnóstica definitiva deve incluir os sinais vitais do paciente, avaliação cuidadosa de risco de suicídio e um plano de tratamento que proporcione o manejo da potencial violência subseqüente.

Atenciosamente, pode-se oferecer ao paciente opções de tratamento, como uma conversa para que ventile seus problemas, medicações, etc.

MANEJO FARMACOLÓGICO


Quando for necessário utilizar medicação deve-se valer do princípio da tranqüilização máxima com mínima sedação. Os erros mais comuns são: supermedicação, que pode impossibilitar a avaliação correta; a submedicação, que não vai controlar a agitação; e a mudança prematura na medicação, ou seja, utilizar-se de diferentes medicações em curto espaço de tempo. Pacientes que já estão em tratamento devem receber dose adicional da mesma medicação.

Para pacientes violentos e psicóticos devem ser administrados antipsicóticos (ATP). Deve-se evitar ATP de baixa potência, por exemplo: clorpromazina (Amplictilâ), que embora mais sedativos, podem trazer maiores problemas como hipotensão e efeitos colaterais anticolinérgicos.

Antipsicóticos de alta potência são as drogas habituais de escolha, que embora causem maiores efeitos colaterais extrapiramidais, estes são mais facilmente tratáveis com antiparkinsonianos. A escolha recai sobre o haloperidol (Haldolâ) 5 mg. V.O. ou I.M., que pode ser repetido em 30-60 minutos se não houver melhora. Não se deve utilizar ATP em pacientes com febre, porque eles interferem na resolução da febre.

Os benzodiazepínicos (BZD) são indicados se o paciente não está psicótico, para evitar o risco dos efeitos colaterais dos ATP. Também são indicados em caso de intoxicação ou abstinência de álcool ou drogas por que os ATP aumentam os riscos de convulsões, por abaixar o limiar convulsivo.

Os BZD, por exemplo, Diazepan (Valiumâ) 10 mg, podem ser repetidos em uma hora, a menos que surjam sinais de intoxicação como ataxia, disartria, sinais cerebelares e nistagmo. Eles também podem causar desinibição em alguns pacientes o que pode ser difícil de diferenciar de uma piora na agitação. Nestes casos deve-se suspender os BZD e iniciar com ATP.

As combinações entre ATP e BZD é seguras e podem ser mais efetivas que qualquer uma delas isoladamente. A desvantagem é que é impossível determinar qual foi realmente efetiva.


SUICÍDIO

DEFINIÇÃO

“Ato consciente de aniquilação auto-induzida, melhor entendido como uma enfermidade multidimensional em um indivíduo carente que define uma questão para a qual o ato é percebido como a melhor solução” ou simplesmente, a morte intensional auto-infringida. De forma alguma o suicídio é um ato aleatório ou sem finalidade, mas representa a saída para um problema que está causando um intenso sofrimento.

Associados ao sofrimento encontramos necessidades frustradas ou não satisfeitas, sentimentos de desesperança, desamparo e impotência, um estresse insuportável, um estreitamento nas opções percebidas pelo paciente e um desejo de fuga.

O cenário ideal para o suicídio é composto de três fatores predisponentes e um gatilho que desencadeia a ação. Este gatilho é a idéia de que dor da situação atual cessa terminando com a própria vida. Os fatores predisponentes envolvem o ódio de si mesmo, devido à culpa ou baixa auto-estima; um estado de agitação, no qual o paciente está tenso e não consegue pensar com clareza; e a limitação das forças intelectuais, ou percepção estreitada, de tal forma que o indivíduo não consegue pensar mais além da situação imediata.

A maneira de tentar reverter este quadro envolve reduzir a dor psicológica modificando o ambiente estressante; construir um apoio realista, reconhecendo que o paciente pode ter uma queixa legítima; e oferecer alternativas para o suicídio.

SUICÍDIO X SAÚDE MENTAL

Entre os pacientes que cometem suicídio, quase 95% tem uma doença mental diagnosticada, 80% tem um transtorno de humor, 25% são dependentes de álcool, 15% dos pacientes que tem um destes transtornos morrem por suicídio. Apesar de ser uma doença menos comum, a esquizofrenia responde por 10% dos suicídios. Pacientes com depressão delirante são quem apresentam o mais alto risco para suicídio.

O risco de suicídio entre pacientes psiquiátricos é de 3 a 12 vezes maior que no restante da população. A idade do suicídio varia em torno dos 30 anos, o que parcialmente deve-se ao início precoce da esquizofrenia e transtorno de humor.

Durante a primeira semana de internação o risco é alto, normalizando entre a terceira e quinta semana.

O período após a alta é especialmente perigoso. O paciente psicótico tende a destruir a rede de apoio social, e no retorno à comunidade, está fracamente integrada à sociedade. O isolamento social, alguma nova adversidade ou à volta de problemas anteriores pode torná-lo desencorajado, impotente e desesperançado, estado de humor ideal para colocar o suicídio em prática.

Após o terceiro mês a taxa de suicídio volta a se igualar com a população geral.

AVALIAÇÃO

A atitude e os preconceitos morais de quem avalia um paciente suicida podem influenciar na decisão do paciente. Reagir ao paciente de um modo moralista, crítico, ter reações fortes e negativas sobre a idéia de alguém tirar sua própria vida aumenta o risco na mesma proporção das reações negativas.

O avaliador deve ter em mente que o estado suicida é freqüentemente passageiro, resulta de uma doença que tem causas tanto orgânicas quanto psicológicas, e que se o suicídio puder ser evitado, a doença subjacente será tratada e futuros estados suicidas serão evitados.

ETIOLOGIA

A etiologia do suicídio envolve fatores sociais, como aqueles que ocorrem após a dissolução de um vínculo (suicídio anômico); aqueles cometidos em benefício de outros para aliviar a carga de alguém que tem de cuidá-los, um modo de recuperar a honra (suicídio altruísta); e o sentimento de não estar integrado no convívio, não ter lugar na sociedade (suicídio egoísta).

Fatores biológicos estão claramente definidos. Pacientes deprimidos com níveis baixos de ácido 5-hidroxindelacético (derivado da Serotonina) tem risco aumentado para suicídio. Altos níveis de 17 hidrocortiscoteróides urinário também elevam o risco para suicídio.

Entre os fatores psicológicos, pessoa com impulsividade acentuada, dependência de terceiros para manutenção de auto-estima, principalmente os dependentes insatisfeitos e ter expectativas irrealistas, os chamados “perfeccionistas” também ficam com um risco aumentado para suicídio.

EPIDEMIOLOGIA


As taxas internacionais de suicídio variam em torno de 10-15 por 100.000. Em alguns países do leste europeu, Escandinávia, Japão, as taxas chegam a 25 por 100.000. Nos Estados Unidos, que colocam-se entre as taxas internacionais, entre 1970 e 1980, houve mais de 230.000 suicídios, aproximadamente 1 em cada 20 minutos. Atualmente, neste país, o suicídio ocupa a oitava posição entre as causas gerais de morte, sendo que no grupo etário entre 15 e 24 anos, ocupa a segunda posição vindo após os acidentes.

Estes números representam apenas os suicídios completados, sendo que as tentativas de suicídio são estimadas em 8 a 10 vezes maiores.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Os homens comentem suicídio com freqüência três vezes maior que as mulheres. No entanto, elas tentam quatro vezes mais que os homens.

Esta taxa mais alta de êxito entre o sexo masculino está associada aos métodos usados. Geralmente o fazem usando arma de fogo, enforcamento ou pulando de locais elevados, enquanto as mulheres tendem a fazê-lo tomando dosagens excessivas de medicamentos ou veneno.

As taxas de suicídio aumentam com a idade. Entre os homens, o número de suicídios completados é maior após os 45 anos. Entre as mulheres, esta taxa aumenta após os 55 anos. A maioria dos suicídios ocorre entre 15 e 44 anos.

Entre as raças: homens brancos cometem suicídio duas vezes mais que não brancos. Dois em cada três suicídios são de homens brancos.

O casamento, reforçado pelos filhos, diminui significativamente o risco de suicídio. Pessoas solteiras, jamais casadas, cometem suicídio duas vezes mais que pessoas casadas. Entretanto, pessoas casadas anteriormente, têm duas vezes mais chance de suicídio que as jamais casadas. Estas taxas atingem um pico entre homens divorciados, chegando a 69 por 100.000.

História de suicídio na família e isolamento social aumentam o risco de suicídio.

Entre as profissões, quanto mais alta a posição social, maior é o risco de suicídio, mas, o trabalho em geral, protege contra o suicídio, que é maior entre as pessoas desempregadas que entre as pessoas empregadas.

A saúde física está diretamente relacionada com a taxa de suicídio. Em torno de 30% dos suicidas consultaram médico nos seis meses que antecederam o ato. Estudos de necropsia mostraram doenças físicas presentes em 25 a 75% das vítimas de suicídio. Fatores associados com doença e suicídio são a perda da mobilidade, que impossibilita atividade física ocupacional ou recreacional, desfiguramento e dor crônica intratável. Contribuem os efeitos secundários como perturbação nos relacionamentos e perda da situação profissional.

Quem avalia um paciente deve perguntar direta e exaustivamente sobre ideação suicida e tentativa anterior. De forma alguma falar sobre o suicídio pode induzir um paciente a praticá-lo. Além disso, uma tentativa de suicídio anterior é o melhor indicador que um paciente apresenta risco aumentado para suicídio. O risco de um paciente fazer uma segunda tentativa de suicídio é mais alto dentro de três meses após a primeira tentativa.

Oito em dez pessoas que se mataram dão alarme de suas intenções e cinqüenta por cento afirmaram abertamente que desejam morrer. Ter um plano mentalizado com acesso a meios letais é um sinal particularmente perigoso.

Outro sinal perigoso vem do paciente que estava ameaçando suicidar-se, e tornou-se silencioso e menos agitado. Na medida em que ele melhora sente-se mais energizado e pode ter tomado a decisão secreta de cometer suicídio.

FONTES:

1. KAPLAN, Harold e SADOCK, Benjamin J. – Compêndio de Psiquiatria – 6ª ed., Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.

2. KAPLAN, Harold e SADOCK, Benjamin J. – Medicina Psiquiátrica de Emergência – Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.

3. FLAHERTY, Joseph A. e CHANNON, Robert A . e DAVIS, John M. – Psiquiatria – Diagnóstico e Tratamento – Porto alegre, Artes Médicas, 1990.


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