segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Máquina de fazer doido



Não era não. Passou a ser depois que perversos polimorfos-psiquiatras-psicopatas passaram a usar a máquina como punição. Há indicações importantes, hoje, para alguns casos - há modalidades de psicoses que pedem. Desde que, claro, seja aplicado por quem sabe. Outro dia, soube que uma pessoa, que autodenominou-se neurologista, leu eletroencefalograma, a ECT, com todos os requintes altamente técnicos. Essa máquina é precussora de 1912


A aplicação da eletroconvulsoterapia – o eletrochoque – para o tratamento de pacientes psiquiátricos castigou-os pelo menos em dois momentos da história dos procedimentos psicoterapeuticos.

O primeiro fica por conta da utilização, frequente, como punição, quando a psiquiatria exercia o ridículo e perverso papel de controlador social e o aparelho, no absurdo imaginário dos “alienados mentais”, semelhante à cadeira elétrica, aterrorizava aqueles que mesmo em sua ampla loucura ousavam ser alguém ou dizer algo.



No segundo, foi quando findou esse melancólico passado e aboliu-se a pratica terapêutica de maneira excessivamente radical, como são as reações sociais, naturalmente. Há numerosíssimas variedades de psicose, especialmente no campo das esquizofrenias, que apenas, ou muito mais facilmente, cedem seus sintomas unicamente através da aplicação da ECT.



A partir dos anos 70 quando se iniciou – em Vitória, por sinal – a organização da luta antimanicomial, isto é, reverter a tendência hospitalocêntrica – a prática da ECT passou a ter no imaginário social o significado que concentrava toda a violência que se dirigia ao doente mental.

A causa, e as coisas da causa, não serviam para as inconscientes rejeições familiares que “enterravam” seus membros em hospícios e os imaginavam em tratamento em uma clínica, em algum lugar do espaço, onde eram " bem tratados.". Pois sim, quase nunca. Nada mais irreal. À semelhança do que se racionaliza em relação aos mortos – eles estariam “em um bom lugar”.



Na época em que dirigi o hospital psiquiátrico Adauto Botelho, com seus mais de mil pacientes, fazia parte desse movimento, baseado nas idéias de Laing e Cooper nos Estados Unidos, e das ações efetivas do casal Franco e Franca Basaglia, na Itália, onde conseguiram simplesmente colocar, literalmente, abaixo os hospitais psiquiátricos e libertar os presos daquela forma.

As conseqüências não foram assim boas como esperado. Os pacientes vagavam pelas ruas de Roma, e de toda a Itália, sem uma estrutura para substituir o hospício. Acabar com a masmorra não acabou com a doença, claro.

Nessa leva foi o eletrochoque, cujo nome já induz a uma imaginação, algo que eletrocutaria a pessoa e seria apenas usado para o mal. Eu mesmo, enquanto diretor do Adauto Botelho, então com mais de mil pacientes, proibi o uso da maquininha elétrica. Ledo engano. Houve muitas situações que me fizeram conscientizar de que a medida era, em grande parte, uma reação ao uso caótico do instrumento.

Havia e há doenças que cedem apenas com o uso do referido procedimento. Algumas depressões recorrentes, especialmente com componentes de tentativas de suicídios, esquizofrenias que não cedem à prescrição de neurolépticos de primeira e segunda geração, melancolias...

Assim, também ocorre com a maioria dos medicamentos específicos para psicoses e depressões, à base da farmacodinâmica. Basta dizer que a transmissão de estimulo de um nervo para outro – a fenda sinaptica – necessita da ação dos neurohormônios para a catalização do processo, especialmente a Noradrenalina e a Serotonina – e esses não podem ser medidos quantitativamente na situação pré e pós sinaptica.



Mas a ciência preenche muito bem com importantes e inteligentes teorias a respeito do que ocorre, por exemplo, com os inibidores da recaptação da serotonina, que assim seria como que reutilizada, digamos assim. Pois bem.

A observação empírica de que uma convulsão tinha efeito antidelirante e antialucinante tem sua importância. A convulsão decorrente da malária gerou uma tese. Cheguei a ler um livro cedido por meu saudoso ex-sogro, Constantino Vicentini, que se chamava “Malariotherapia" – assim com th mesmo – que em suma consistia em provocar malária e convulsões.

Outras formas contemporâneas eram utilizadas mais frequentemente como o choque por hipoglicemia ou outras formas de provocar convulsões; Aparece na literatura a prática de Philipe Pinel que humanizou a abordagem psicoterápica promovendo a organização dos manicômios e uma certa modalidade de convulsão por banho em queda súbita em tanque com água pouco acima de zero grau de temperatura.

Há outros relatos, como o uso de cânfora “para curar pessoas lunáticas”, utilizada já no século XVI por Paracelsius. O primeiro relato em artigo é atribuído a Leopold von Auenbruger, em 1764. Eram experiências que não podiam ser sistematizadas com suficiente segurança e dentro de quesitos epistemológicos.

Em suma, até os anos 30, as opções de tratamento psiquiátrico eram limitadíssimas. A internação perpétua, as correntes e a morte em vida eram utilizadas e as explicações incluíam todas as seitas, do catolicismo às bruxarias, aos poderes malignos do diabo. “Está endemoniado, Fulano de Tal!”.

Os principais tratamentos consistiam, como disse, em provocar febre e convulsão pela malária – Wagner e Jaureg em 1917 - a sonoterapia prolongada que fazia enorme efeito sobre os médicos e família que podiam descansar um pouco, certamente.

Em 1933 apareceram a indução ao coma por insulina com a respectiva convulsão – por Sakel – e a eletroconvulsoterapia. Em 1935, Moniz entrou com sua contribuição: a lobotomia, uma cirurgia cerebral que promovia uma “calma” ao paciente. Foi largamente utilizada em estados de mal epilépticos persistentes .

Meduna utilizou alguns fármacos para induzir a convulsão como injeção muscular de Pentilenetetrazol, o Metrazol. Os efeitos colaterais desses métodos, mesmo obtendo algum sucesso contra a atividade delirante e alucinatório, produziam efeitos colaterais insuportáveis.

A ECT

Exatamente em 1937 dois neuropsiquiatras italianos, Ugo Cetletti e Lucio Bini, começaram a induzir convulsões passando uma corrente elétrica pelo cérebro dos pacientes, ainda como experimento. Daí à sistematização foi um pulo e muitas convulsões desnecessárias.

Nos anos 50, começa a declinar o uso da ECT, especialmente pelas descobertas de antipsicóticos pela farmacologia e de lá para cá houve saltos importantes no setor que soterrou o uso sistemático do eletrochoque.

Esse vem ficando para ser utilizado – tecnicamente corretamente – em depressões graves com ou sem sintomas psicóticos que não cedam à farmacoterapia. Os profissionais sérios que utilizam a ECT hoje em dia, referem que quando o método é comparado ao uso de psicotrópicos, de um modo geral, são mais adequados (sic).

Apresenta efeitos mais rápidos que os psicotrópicos – mesmo os mais modernos como a Olanzapina, ou Risperidona – principalmente se considerarmos a vertente tentativa de suicídio.

Defendem a tese que o procedimento é absolutamente necessário nos riscos de suicídio, episódios depressivos resistentes, episódios depressivos graves com sintomas psicóticos, episódios depressivos em idosos, episódios depressivos em gestantes, episódios maníacos em gestantes, episódios maníacos graves com sintomas psicóticos, episódios maníacos resitentes, depressão na Doença de Parkinson, na Síndrome Neuroléptica Maligna.

Na minha opinião, e experiência clínica de mais de 30 anos, penso que a falta de uma psicoterapia específica para pessoas psicóticas – são raros os profissionais que detectam ou acreditam em tal diferença – é muito mais agravante. A simples prescrição de psicotrópicos como terapêutica não apenas é insuficiente, como pode induzir o paciente ao suicídio por sentir-se só e “diferente”. Especialmente quando a componente depressão está presente à prescrição de fármacos e deve ser indispensavelmente acompanhada de psicoterapia intensiva.

Creio que há indicações em situações de absoluta emergência, o que só poderá ser avaliado por profissionais de muita experiência clínica e que possa acompanhar o processo pós-aplicação. Além disso, deve haver um preparo – um holding – para aplacar o estigma que carrega a ECT.

Repensar o uso do eletrochoque teve a ver certamente com a constatação de numerosos efeitos colaterais dos psicofármacos, já que o corpo em rede – cada célula relacionando-se com todas as outras – não oferece, como podem pensar vãs filosofias, a possibilidade de direcionamento específico e exato para tal ou qual parte do corpo.

A gana de lucro que norteia as empresas produtoras das medicações reavivou as farmácias de manipulação e certamente contribuiu em pensar-se a ECT. Apesar de existir ainda a justificada cautela no uso dessa, pode ter uma intervenção eficaz e, muitas vezes, salvar a vida em certos transtornos que não respondem às demais abordagens como foi dito.

A técnica foi aprimorada, além disso. Os aparelhos de emissão da corrente elétrica foram desenvolvidos, o uso de anestesia passou a ser constante, oxigenação concomitante ao ato de passar a corrente, monitoração por eletroencefalograma da convulsão, exames prévios e cuidadosos, etc.

Não devemos esquecer também que psicofármacos carregam consigo efeitos colaterais importantes, saturação, efeitos paradoxais e dependência, entre outros indesejáveis.

O assunto, tratado na época da eclosão da luta maniomial, não volta à dicussão, sendo tratado quase como clandestino. Talvez seja o caso de criar uma comissão ética no Ministério da Saúde, por exemplo, para avaliar não apenas as indicações e contra indicações do ECT, mas de todo o material que se dispõe para o tratamento das muitas formas de desorganização mental.

Talvez as federações e a própria Associação Brasileira de Psiquiatria ao invés de ver apenas como parceiros – como é o caso de alguns Estados – na construção de congressos e distribuição de generosos de brindes, passagens, estadias para os profissionais de saúde mental, o que por si só não consiste em nenhum delito – possa criar comissões de estudo sobre o efeito das drogas psiotrópicas à disposição no mercado.

Além disso, fortalecer a ação de controle sobre quem se auto-ntitula especialista, portanto sem passar pelo crivo da prova de título da ABP, e exerce um não-sei-quê nesse delicadíssimo território. Isso sim, é certamente mais perigoso que o mau uso dos psicotrópicos e do ECT.

Para conhecimento da classe devo informar que a Associação Brasileira de Psiquiatria edita um catálogo anualmente onde constam o nome e CRM dos profissionais especialistas de todos os Estados assim como os Conselhos Regionais de Medicina.




Um comentário: