segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Suriname e maroons, outras informações...

Você certamente leu alguma coisa sobre os ataques maroons aos imigrantes brasileiros em Albina, Suriname. Mas você provavelmente, como eu, sabia muito pouco sobre o Suriname e sobre os maroons. Sou especialista em imigração brasileira, então fiquei realmente interessado em saber o que aconteceu em Albina. Depois de uma rápida pesquisa e uma troca de emails com o prof. Richard Price (especialista em populações Maroons), veja o que encontrei:
O Suriname foi uma colônia holandesa e sua população é dividida entre os de “cor clara” e “escura”. Os primeiros são os descendentes dos colonizadores e constituem a parte maior da elite. Os segundos são descendentes de Indianos, javaneses e escravos africanos, trazidos todos como força de trabalho nas plantations. Entre os “escuros” os descendentes dos escravos (maroons) são os que mais sofreram as agruras da colonização. Apesar da variedade étnica, o Suriname sempre foi visto como uma sociedade “etnicamente” tranquila.

Albina fica no extremo leste do Suriname, próximo ao mar do Caribe, fazendo fronteira com a Guiana Francesa. Fica no distrito de Moroowijne, do qual é capital. Faz fronteira com a Guiana Francesa, separada pelo rio Maroni. Do outro lado da fronteira, a cidade mais próxima é Saint-Laurent-du-Maroni, capital do Distrito de mesmo nome na Guiana (dividida em apenas dois distritos) e cuja população é em grande parte maroon emigrada do Suriname.

A população de Maroons no Suriname não é comparável ao que conhecemos como “Quilombolas”, basicamente porque lá os quilombolas não foram completamente derrotados nos séculos 17 e 18. Em 1762, o governo branco reconheceu os quilombolas Saramaka (um dos grupos de maroons) como negros livres: podiam viver livres no interior e recebiam dinheiro de “proteção”, para não atacar as plantações dos grandes fazendeiros (muitos deles eram Judeus Portugueses, que fugiram do Brasil). Também o grupo chamado de Ndyuka (1756) assinou acordo com os plantadores (leste do Suriname). Em 1767, o grupo Matawai também fez acordos com os platandores. É como se o quilombo de Palmares não tivesse sido derrotado e os plantadores de cana começassem a pagar tributos a Zumbi.

Os outros dois grandes grupos então existentes continuaram a ser perseguidos (Boni/Aluku e Kwinti). Percebe-se já a diversidade que o nome “maroons” esconde. Há vários grupos (e depois outros dois surgiriam: Paramaka e os Broos-Maroons) e com status políticos diferenciados. Aqueles que atacaram os brasileiros são, provavelmente, os Ndyuka, Matawai e Paramaka. Os autores costumam fazer uma divisão entre maroons do oeste (Saramaka, Matawai e Kwindi) e leste (Ndyuka, Boni, Paramaka, Broos-Maroons). Havia os que recebiam impostos e os que continuavam sendo caçados. Há de se convir que o desenvolvimento histórico desses grupos é diferente. E os maroons do oeste ficaram mais livres, enquanto os do leste continuaram mais perseguidos (Albina é no extremo leste). Muitos destes maroons do leste acabaram migrando para a Guiana Francesa, onde formam um grupo considerável, que prospera sob a cidadania francesa concedida para alguns (mas migrantes maroons não documentados continuam chegando).

retirado de Hoogbergen e Krujit (2004)

Arte maroon

A situação social dos maroons no Suriname tem piorado ao longo da vida como república independente (a partir de 1975). Desde lá, dois golpes militares e uma guerra civil (1986-1992, onde principalmente os Ndyuka combateram o governo central) comprometeram muito a vida dessas populações. O interior do Suriname é praticamente autônomo e o governo central tem pouca ingerência (mas Albina fica ao leste, não tão no interior). O país tem vivido um processo de devastação por madeireiras e minas de ouro (mercúrio etc.). É nessas minas que os conflitos com grupos de estrangeiros têm se desenvolvido: com brasileiros, garimpeiros, e com chineses, comerciantes. Albina é terra de fronteira.

Desde o final da guerra civil, os garimpos de ouro têm se desenvolvido num cenário de faroeste. Localizados principalmente em terras maroons, esses garimpos levaram milhares de brasileiros ao Suriname, num esquema de exploração que conhecemos de longa data: exploração intensa, sem nenhum cuidado com o meio-ambiente, caráter absolutamente predatório. O cenário de encontro dos brasileiros e maroons é um cenário sem estado, onde quase todos andam armados.
Veja a situação: uma região habitada por maroons que foram perseguidos até meados do século XX, e profundamente pauperizados; pouca presença do Estado; um dos grupos de maroons foi o principal ator na guerra civil; desenvolvimento selvagem de minas de ouro e outros negócios de caráter ilegal (drogas, contrabando). Essa população maroon provavelmente está descontando uma insatisfação secular em cima de novos grupos (brasileiros e chineses, principalmente). Não me parece que a ação tenha sido contra os “brasileiros”, mas antes, que os brasileiros é que pagaram o pato de uma conta ancestral.

Segundo Richard Price, que gentilmente me respondeu emails no primeiro dia do Ano novo, essa violência é resultado da Guerra civil, associada à chegada dos garimpeiros. O Estado abandonou em larga escala a parte leste do pais depois da guerra, deixando-a para o senhor da guerra Ronnie Brunswijk e seus seguidores (principalmente Ndyuka). Os conflitos entre garimpeiros e Maroons ao longo do Marowijne intensificaram essa situação. Segundo Price não há registro desse tipo de violência em larga escala contra estrangeiros. Maroons são pessoas muito pacíficas, embora desde a guerra civil uma geração de jovens homens tenha crescido sem escolas e sem muita esperança no futuro, tendo se direcionado para o tráfico de drogas (entre Suriname e a Guiana Francesa).

Mas o que me chamou mais a atenção na cobertura desses eventos trágicos foi a preguiça da imprensa, por um lado e a tendência conservadora e xenófoba, por outro. Esse resumo acima eu fiz a partir de alguns textos do Richard Price e Win Hoogbergen, antropólogos especializados em comunidades Maroons no Suriname e na Guiana Francesa. Os textos estão disponíveis num ótimo site dele e da esposa (Sally Price) e em periódicos de livre acesso. Custou um dia de leitura irregular, mas um jornalista sério poderia ter feito um trabalho de organizar essas informações e tentar montar um quadro que ao menos desse uma idéia do que aconteceu. Nada – ficamos apenas com resumos sobre a situação do Suriname a partir do texto da Wikipédia, pronto.
A tendência conservadora é mais complicada: primeiro os maroons são tratados como selvagens e ponto. Como se desastres como esse nunca tivessem acontecido no Brasil (ou como se imigrantes bolivianos não fossem escravizados por imigrantes coreanos em fábricas clandestinas de roupas no Brás, que depois abastecem lojas de grandes magazines). Por outro lado é sempre a mesma coisa do pensamento geopolítico da direita: se qualquer país vizinho faz alguma sacanagem com brasileiros imigrantes, a revolta é intensa. Bolivianos querendo expulsar brasileiros? Sem terra paraguaios invadindo terras de agricultores brasileiros no Paraguai? Que horror!! O discurso vem babando para cima da diplomacia brasileira, que “não faz nada”. O que os caras querem mesmo é que o Brasil mandasse umas tropas e resolvesse a história na porrada (houve afirmações textuais nesse sentido no caso da crise boliviana com a Petrobrás).
Agora, quando o problema com imigrantes é na Europa ou EUA, bem aí a direita não fala nada, afinal fica envergonhada de uns pobres brasileiros fazendo feio nos países de ricos. Não se fala muito da xenofobia que se alastra na Europa contra brasileiros em específico. Em Portugal a mídia chegou a inventar um arrastão nas praias de Carcavelos só para culpar brasileiros do fato, uns anos atrás.

Assim, ficamos apenas desinformados, alimenta-se um estereótipo contra o Suriname, não se dá a conhecer algo mais profundo sobre a presença de brasileiros no Suriname (e também na Guiana Francesa). Se você quiser mesmo saber algo sobre o que está acontecendo, certamente não descobrirá na mídia brasileira.

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