A finada tia Cecy, em seus rompantes de exagero, dizia que jamais lhe havia passado pela ideia casar-se, porque sexo obrigatório só faria mediante estupro. Fonseca, meu amigo idiota, quando está transando com garotas de programa disse-me ter a estranha sensação de que não está sendo verdadeiramente amado. É que mentes cínicas e estreitamente positivas lhe confidenciaram à boca miúda que dinheiro compra até amor verdadeiro. Que absurdo.
Lendo uma vibrante revista semanal sobre o tema, estanquei. Através de depoimentos de pessoas comuns, por assim dizer, que praticam o esporte em questão, e filhas de famílias bem dotadas de dinheiro e importância social, optaram livremente pela citada carreira artística. Os depoimentos deixariam qualquer sociólogo desempregado.
As entrevistadas ganham mais do que a grande maioria dos profissionais liberais, que se julgam bem sucedidos, especialmente médicos do serviço público federal. Elas a-do-ram a doce vida que levam. Aos 30 anos já se aposentam. Vergonha total para o INSS, que exige que as meninas comuns cheguem aos 65 para dar aquele troquinho sem vergonha. Quem são afinal essas pessoas, dessa exultante e insólita classe ascendente que vende amor?
Vou aos anúncios dos jornais. Afinal, os classificados do mundo estão repletos de ofertas de companhias afáveis, com preços módicos, características especiais e perversas promessas. Pego o telefone.
Para começar, não sei o que aconteceu no fatídico ano de 1991, para que quase todas as garotas de programa anunciadas tenham 18 anos. Algum eclipse? Terremoto? Baile funk? Não me lembro. Eclipse do sol, da Terra, do mar? Deixa pra lá.
Então, aos anúncios.
Apresenta-se no pódio, loira linda, ninfeta iniciante para exigentes. Que tipo de público quer atingir? A clientela seria composta por reprimidos, Laios, Jocastas e Édipos invertidos, que seriam possuídos por alguma palavra do anúncio? Pois bem: 150 paus, 30 minutos. Se quiser liga. Fonseca é patologicamente fiel a uma certa Aline – na verdade Maria das Dores, como me contou – com 18 anos, é claro, seios fartos, cabelos longos, recém-chegada (não importa de onde). Até hoje mantém o relacionamento estável e duradouro com um taifeiro da Marinha Mercante, mas faz esses bicos para ajudar no orçamento do lar. A prima de Fonseca, Lorialva, optou pela "haute" prostituição: casou-se morrendo de ódio com um milionário escolhido pela mãe.
Calma pessoal que tem homem também na parada. Um jovem lá, também da incompreensível safra de 1991, que além de massagista apresenta suas qualificações opcionais: garotão malhado, bronzeado com marca de biquíni. Não. Não, não, espera aí errei: a marquinha era do anúncio ao lado. Ou não, não lembro.
A ideia da revista pornô é introduzir o gosto pela profissão “como outra qualquer”. Os editores da publicação hebdomadária que me perdoem não estar tão alienado do mundo quanto eles. Ao menos por enquanto. Tal tipo de miséria vai se aproximando da dantes sempre poupada classe média. A matéria da revista é perversa e cínica e opta por dourar uma pílula mortal: transformar em opção o que é necessidade. Burguesa, é claro, mas necessidade. Afinal, um pálio, último modelo, com ar-condicionado, volante, rodas, está os olhos da cara.
Há trechos insuportáveis, que jogam essas belas pessoas sem a menor chance na vida e sem juízo de qualquer espécie a defender a honra com uma razão de ocasião. Para se ter amor, sexo e felicidade, a prostituição não é nem jamais foi o caminho do desejo real, creio. A não ser que seja, vá lá, em alguns casos de pequenas loucuras. Fonseca acha que dinheiro compra até amor verdadeiro. É, pode ser.
Esconder deliberadamente dos leitores a necessidade óbvia – a própria matéria deixa transparecer - e a futilidade que obriga esses miseráveis a fazer o que não querem como único acesso às benesses naturais da vida, é jornalismo sádico. A vida é sadomasoquista. Ao jornalismo cabe a transcrição da vida, quando muito;
Loucas crianças amarguradas com marcas de biquíni e outras marcas, especialmente na alma, quem vos fez desiludidas? Os poderes nos governos não têm um leito, um acalanto para ninar e amamentar os filhos, Perdão pela omissão de todos nós outros.
Como dizem eles as coisas este ano estão muito melhor.
Que no ano que vem.
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